Talvez a mensagem mais potente que este pequeno vírus esteja trazendo para a humanidade inteira, revelada com perplexidade pela velocidade do contágio ocorrido em cada quadrante da Terra seja: estamos mesmo interconectados por um só sopro. 

Por entre toda a fragilidade e dor que temos testemunhado nos nossos sistemas globalizados, existe uma boa notícia velada: o vírus nos mostra quão potentes podem ser as ações coletivas. Por isso as qualidades que mais precisaremos agora serão realmente confiança, apoio mútuo, responsabilidade pelo todo, flexibilidade e abertura diante do imprevisível. 

Vamos ‘dar as mãos’ para atravessar esses tempos com a esperança de mudanças fundamentais e necessárias em nosso mundo, por mais respeito à teia da vida, senso de união e cultivo do amor. 

E como temos visto muitas informações sendo disseminadas sobre formas de prevenção do contágio do coronavírus, mas ainda poucas informações que nos ajudem a resguardar da contaminação do pânico, ou mesmo de formas protetoras da saúde mental diante do desafio que está à nossa frente, seguem algumas reflexões e sugestões de cuidados. 

Estamos todos aprendendo em processo o que fazer frente a um cenário totalmente desconhecido, que muda de momento a momento, e que nos desafia a estabelecer novos repertórios. 

Isso gera um senso imperioso de que temos de buscar avidamente pelas novas informações nas redes sociais, sobre o que nos protege e o que nos vulnerabiliza, sobre como está o cenário nacional, e o internacional, sobre as novas medidas adotadas pelo governo, enfim, uma enxurrada de informações que vão mudando muito rapidamente, e que frequentemente vem poluídas por notícias falsas. E, precisamente aqui, temos nosso primeiro desafio para a saúde mental: 

-se por um lado estar informados nos ajuda a tomar decisões indispensáveis de ajustes logísticos a curto e médio prazo, por outro lado precisamos aprender a monitorar quando o contato com a informação se torna uma espécie de compulsão, de ruminação, e que passa a ser disfuncional – porque simplesmente não aumenta nossa capacidade de enfrentar estrategicamente o problema, mas paradoxalmente a diminui, em função da desorganização gerada pelos estados ansiosos. Normalmente podemos identificar sinais físicos e psíquicos dos momentos de sobrecarga: irritabilidade e intolerância a outros estressores cotidianos, dificuldade de relaxar fisicamente, inquietação psicomotora, dores musculares, dificuldade de atenção e concentração. 

Diante disso, uma primeira proposta para gestão emocional desta crise, é a capacidade de reconhecer a proximidade da sobrecarga gerada pela informação, e intencionalmente desviar nossa atenção dela, para outras atividades que nos 

organizem: como tomar um banho com uma boa música, arrumar seu guarda roupa, cozinhar, lavar o melhor prato da sua vida, aninhar-se no colo de uma pessoa querida da sua casa, ou se estiver só, ligar para alguém, de preferência por um recurso tecnológico que lhe permita ver a face do outro, e se não for possível, deixar que a melodia da voz da pessoa querida te toque por dentro. 

Outro aspecto importante sobre este sequestro atencional que a busca de informação nos cria: estamos diante de um perigo cuja ferocidade temos pouca capacidade de mensurar. O senso de perigo em nós estreita nossa curiosidade, e toda nossa orientação fica direcionada exclusivamente para descobrir como melhor lutar ou fugir. 

Nossa capacidade de tomar decisões refletidas diminui, e toda nossa fisiologia e nosso comportamento fica orquestrado pelas respostas reflexas, irracionais do sistema reptiliano primitivo. Isso nos restringe a capacidade de fazer escolhas legítimas, e ficamos mais prisioneiros das compulsões, ou de ações irrefletidas que visam mais aliviar o desconforto da ansiedade do que realmente atuar resolutivamente sobre o que necessita ser feito (ou deixar de ser feito). 

O medo diminui a regulação exercida do córtex pré-frontal sobre a amígdala cerebelar, isto é, diminui a capacidade de tomar decisões pelo nosso lado primata, aumentando as distorções cognitivas. Quando este estado se cronifica, tende a levar-nos a estados de impotência, e paradoxalmente menor funcionalidade nas respostas adaptativas, pois àquilo que não conseguimos sentir, não conseguimos também responder e adaptar. 

Pesquisas sobre resiliência nos mostram que quanto maior a habilidade de alternar nossa atenção sobre estados de desorganização e organização dentro e fora de nós, maiores são os escores de resiliência. Isso significa ter recursos para não ficarmos fixados no desconforto, pois é desta habilidade que emergem as respostas mais criativas, mais adaptativas, e a capacidade de enxergar a joia presente em toda ferida 

Assim, escute o som dos pássaros que estão à sua volta, encontre algo belo dentro da sua casa para que possa contemplar, busque formas de ampliar sua curiosidade, sua sintonia com a natureza e com todas as formas de arte. ‘A arte existe porque a vida não basta’, como nos inspirou Ferreira Gullar. 

Não teremos respostas eficientes para exercermos sozinhos o controle sobre essa situação que se nos apresenta através do coronavírus. O vírus nos mostra quão frágeis e vulneráveis são nossos sistemas globalizados – e quão potentes podemos ser quando restauramos nosso senso de comunidade, respeito e interconexão entre todas as formas de vida. Essa pausa forçada nos ajuda a relembrar que fazemos parte de uma grande comunidade de pessoas, animais, natureza, e convida a humanidade a uma mudança fundamental em seu comportamento coletivo. 

Individualmente teremos que fazer o que nos cabe, como na guerra mítica travada por Arjuna no Bhagavad Gita, independente do resultado final. Nossas escolhas legítimas não terão, solitariamente, impacto sobre o todo, terão impacto sobre nosso estado interno, o único bem que somos agora capazes de gerir. Sem 

controle sobre a situação externa, nos resta a gestão sobre nossa situação interna, e com isso, melhor capacidade de acompanhar e adaptar à rápida onda de mudanças inevitáveis e imprevisíveis. 

Lazer, contemplação, conexão, atividade física, arte, reinvenção. Lembrem, oxitocina – hormônio do vínculo – é o melhor antídoto para o cortisol, aquele hormônio que se desregula diante do estresse cronificado. 

Guardem consigo também uma fórmula budista preciosa: agitação dentro e imobilidade fora é uma receita de angústia; atividade fora e quietude dentro, é uma receita de resiliência. Mova seu corpo, aquiete seu espírito… 

Afinal, não desejamos as crises, mas não temos como viver sem atravessá-las. Somos vidas desenhadas para evoluir em conflito, e eles são tão necessários quanto o estalo de cascas apertadas, anunciando o nascimento.

 

Liana Netto, Psicóloga clínica, doutora em Medicina (UFBA), pós-graduada em Psicoterapia Analítica Junguiana pelo Instituto Junguiano da Bahia. Ensina nacionalmente e internacionalmente cursos autorais e módulos da formação em Experiência Somática, explorando a conexão corpo/mente dentro do viés analítico. 

 

BAIXE AQUI O ARTIGO